O Egito e as águas sagradas do Nilo
Por Voltaire Schilling
O rio Nilo, o maior rio em extensão do mundo,
também é o responsável direto por manter a continuidade de uma das mais antigas
culturas que temos registro, a cultura egípcia. Saiba um pouco da sua história
e do simbolismo das suas colossais construções. José e as pragas do
Egito O hebreu José ainda estava encarcerado, vítima da perfídia da mulher
de Putifar, quando o Faraó mandou chamá-lo para esclarecer um mistério.
Precisava de alguém que lhe interpretasse um sonho que o atormentava há algum
tempo. Nele o faraó estava à beira do rio Nilo e viu por ali passar sete vacas
gordas que, em pouco tempo, foram devoradas por outras sete vacas magras. Em
seguida, deparou-se ele com sete belas espigas de trigo para igualmente vê-las
desaparecer engolidas por outras sete mirradas espigas.
José, que tinha o dom da adivinhação, disse ao
imperador que se tratava de uma mensagem divina. Deus, por meio da sua estranha
linguagem onírica, avisava o Faraó para que se precavesse. Haveria no Egito
sete anos de abundância e, em seguida, sete anos de fome. José aconselhou-o
então que mandasse recolher tudo o que fosse possível na época da anunciada
bonança, porque os sete anos futuros seriam de estiagem generalizada.
Tão impressionado ficou sua majestade que,
rebatizando com o nome de Sefenat Fanec, encarregou o visionário hebreu de
assumir uma função plenipotenciária, responsabilizando-o doravante pelo sucesso
do armazenamento dos mantimentos, dando assim os começos da vida de sucesso de
José (Gênesis, 37-50)
O Faraó e o Nilo
Este sonho em si sintetiza tudo na vida do Egito
Antigo. Nele encontram-se os diversos elementos que compõem sua história: o
Faraó como interlocutor entre os deuses e os homens; a banal e antiquíssima
crença de que o sobrenatural se comunica com o natural através dos sonhos; a
dependência que a população tinha da carne e do trigo e, finalmente a magna
presença do rio Nilo.
E anuncia também a referência mágica do número
sete. Algarismo de profundo significado hermético. Foi este número que orientou
o faraó Ramsés II a que desse início entre os séculos 14 e 13 e a.C. na
construção de sete templos sagrados espalhados pelas ribeiras do Nilo. Um deles
Beit el-Wali, outro em Gerf Hussein, mais outro em el -Sebua, em el-Derr, os
magníficos templos de Abu Simbel (onde ele se fez reproduzir em forma
colossal), Aksha e, finalmente, o de Ibsambul.
Durante muito tempo os arqueólogos quebraram a
cabeça para entender seu significado, até concluírem que aquelas construções
tratavam-se de “casas divinas” só acessíveis aos sacerdotes, aos sábios e ao
próprio faraó, erguido para afirmar e assegurar a regularidade das preciosas
cheias do rio.
Os deuses
Para os egípcios havia uma sagrada simbiose entre o
Nilo e todos os reinos vivos da Terra. Nada havia na natureza que dele não
dependesse. Tão forte era a crença que em todas as suas representações sagradas
os seus deuses são pintados ou esculpidos de maneira zooantropomórficos, isto é
, têm simultaneamente forma humana e animal: Bastet, a deusa da guerra, tem uma
cabeça de leoa; Thot, deusa da escrita, uma de Íbis; Hátor, a deusa das
mulheres e do céu, tem chifres de vaca e mesmo Rá, o deus-sol, um dos mais
cultuados, ostenta sobre o disco solar , uma cabeça de falcão.
Imaginavam eles que a vida tivesse emergido dos
pântanos e concebiam a existência como uma harmonia entre o mundo humano, o
animal e o vegetal. Bem ao contrário da cultura ocidental (que as separa em
esferas distintas - reservando a superior para os humanos e a inferior para as
demais), eles não faziam distinções entre os reinos. Tudo dotado de vida era
uma manifestação do sagrado.
A lenda de Osíris
Atribui-se também à sua religião a idéia do deus
morto e redivivo, reproduzida na lenda de Osíris: a história do deus morto à
traição pelo seu perverso irmão Seth, o "Caim" dos egípcios. Essa
história era uma representação simbólica das fases de estiagem do Nilo, quando
em dezembro ele se encolhia. Osíris, todavia, ressuscitava voltando à vida,
transbordando das suas margens e propiciando com seu humo as prodigiosas
colheitas por todo o lugar onde passava.
Manifestavam eles a mais profunda fé no retorno
futuro dos seus mortos ilustres. Daí mumifica-los. Os egípcios eram os
apologistas da ressurreição. Não aceitavam que seus grandes simplesmente
desaparecessem nos breus escuros da morte como acontecia aos demais mortais.
Inconformados, envolviam os corpos dos grandes mortos em natrão (carbonato
hidratado de sódio natural) e essências especiais. Enchiam-lhes as cavidades
com panos ensopados em resina e sacos de matérias perfumadas com mirra e
canela, enfaixando-os, por fim, com tiras de linho.
Sepultavam-nos então seus faraós e grão-sacerdotes
em prédios gigantescos, dignos da magnitude deles, em mastabas, pirâmides ou em
templos no Vale dos Reis. No sarcófago ilustre deixavam parte dos seus bens e
decoravam tudo com imagens que faziam o gosto do falecido, visto que esperavam
que na outra vida ele pudesse usufruir daquilo que amara aqui na terra.
A grandeza do estado
Tais construções majestosas e imponentes, que se
encontram em várias partes do alto e baixo Nilo, glorificavam ainda outra
coisa. Foram elas as primeiras manifestações arquitetônicas celebrantes da
grandeza do estado. As dimensões gigantescas e a estatuária extravagante da
maioria delas, como é o caso das pirâmides da planície de Guizé, que até hoje
impressionam qualquer visitante, são lembrança permanente do feito
extraordinário que foi constituir-se um estado centralizado, soberano e
independente, que se estendia por milhares de quilômetros quadrados do solo
africano.
O Antigo Egito formou uma sociedade emblemática.
Nenhum dos seus reinos vizinhos, na Palestina, ou na velha Mesopotâmia ou no
planalto do Irã, atingiu a sua duradoura continuidade. Com aqueles
edificios-monumento o faraó desejava imortalizar não apenas a sua sobrevivência
no mundo do além, no reino dos mortos, mas igualmente a perpetuação do poder do
estado real.
Era como se houve um trono imaginário no vértice
das pirâmides contemplando dali os quatro cantos da Terra. O Estado é aquele
que tudo vê e que tudo alcança com seu olhar. A base dele pode estar enraizada
no chão, na realidade, mas sua cabeça coroada encontra-se nas alturas, perto
dos céus e dos deuses, bem longe da vista dos simples mortais.
Construído as pirâmides
Geograficamente o Antigo Egito era uma confederação
de oásis espalhados pelo Nilo e adjacências e bem poucas vezes, ao correr da
sua longuíssima história, as antigas cidades de Mênfis, Tebas ou Heliópolis,
gozaram de alguma autonomia política. Quem o dominasse o rio Nilo, dominava
tudo. Deste modo, quando os governantes do Alto Nilo, situado próximo ao delta,
unificaram todas as regiões mais ao sul, submeteram-nas a um único e sólido
reino: o império dos faraós.
E, para fixar definitivamente essa integração
norte-sul, fizeram vir por barcaças e jangadas, enormes pedras de todas as
partes do país para empilhá-las, uma a uma, formando assim as impressionantes
pirâmides de Guizé. Os quatro pontos cardeais da base da pirâmide, os quatro
cantos do império, tinham um só comando situado no seu topo.
Toda a dócil população ribeirinha do Egito, os
felás, transformada num exército de operários, era então convocada para, nos
períodos da entre-safra, vir a colaborar no erguimento delas, fazendo com que
aquelas construções imperiais representassem também, em sua grandeza, a
materialização das possibilidades coletivas da humanidade. As pirâmides não
foram obra de gente escrava, mas sim de milhares de súditos de um Egito
independente e orgulhoso.
O papiro e a memória
Nenhum rio do mundo sustentou a perenidade de uma
civilização, de uma cultura e de um estado, durante tanto tempo como o Nilo o
fez. Nascido bifurcado, resultado do Nilo branco e do Nilo azul, vindos ambos
das profundezas do coração da África, ele cumpre uma sinuosa trajetória de mais
de 6 mil quilômetros.
Rasgando com suas águas mansas o deserto, termina
por desaguar no Mediterrâneo. No seu berço ele é assistido por um monte de
pedras e, ao longo das suas margens, contido pelas areias finas do Saara. O Sol
inclemente acompanha suas correntes o tempo inteiro. Foi nas suas beiras que se
multiplicou o papiro, utilizado como o papel da época, que proporcionou que se
registrasse nele toda a sabedoria da Antigüidade. O Nilo, tal como os rios da
Mesopotâmia, é assim um dos rios-mãe da humanidade, tudo por primeiro surgiu
por lá, dali espalhando-se para o restante do mundo.
Fonte: http://www.templodeapolo.net/texto_ver.asp?ID=2398
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